Nos blocos afro de Salvador, fantasias reafirmam identidade negra

Cultura

O batuque dos tambores e a dança são marcas conhecidas dos blocos afros que tomam conta das ruas de Salvador durante o carnaval. Mas o colorido das indumentárias ultrapassa a folia: ganham destaque na construção e manutenção da identidade negra como referência à estética do continente africano, e também como símbolos de resistência e empoderamento.

O artista plástico baiano Alberto Pita cria fantasias de carnaval há mais de 40 anos. Os blocos são muitos: Afoxé Filhos de Gandhi, Ilê Ayê, Cortejo Afro, Olodum. E as histórias contadas por meio das linhas e costuras também:

“E essa é a função do pano. O pano é uma superfície na qual os artistas como eu se expressam dentro dos blocos, entendeu? Conta histórias, fala sobre nossa gente, fala sobre importância, sobre mulheres, homens, enfim, que fizeram parte da história”. 

Mas, como o artista destaca, a tradição se transforma e, com os anos, ganha novos significados. Em 2019, Alberto Pita deu mais um passo para essa transformação: trouxe para a fantasia dos filhos de Gandhi – tradicional tapete branco – outra cor. Para ele, além das memórias, as fantasias são instrumentos históricos:

“Ele, no início, era tudo branco, não tinha nada, nada, zero. Eu me lembro claramente. Claro que eu não lembro do início – foi em 1949 – mas eu me lembro de quando eu passei a acompanhar o Gandhi na década de 1970, né? Eu sempre observei um pequeno grupo todo branco. Depois foram entrando um azul, depois o outro tom de azul, né? Os azuis… teve um ano que eu que eu fiz um branco sobre branco pro Gandhi. O Gilberto Gil era vice-presidente do afoxé na época (…) são sinais dos tempos. Ali estava homenageando Oxum – porque você não pode pensar que um bloco eminentemente masculino, né? Que só sai homens, oito mil integrantes, não tem ali um ‘q’ de machismo, mesmo que o Gandhi não queira, entendeu? Então, quando eu coloco um dourado do Oxum, é para fazer provar do próprio veneno. Então a tradição é inventada. Quem inventou o Gandhi todo branco na época? Então quem botou amarelo no Gandhi? Daqui a mais 30, 40 anos serão novas tradições”.

E de transformações, Siry Brasil entende. Rei do Muzenza há quase 20 anos, ele também é responsável pela confecção das fantasias do bloco criado na década de 1980. Pra ele, o desafio é reinventar, ano após ano, as raízes ancestrais:

“E com isso eu faço os figurinos abrangendo toda a nação africana, quanto afoxé, quanto o bloco afro, quanto um bloco de percussão… sempre tendo a visibilidade além dos figurinos, que também tem as cores dos próprios blocos afros. Na verdade, a gente vem baseado na Jamaica”.

E o estilista e artista plástico Cid Brito, só no Olodum, confeccionou mais de três mil peças. Agora, à frente do Cortejo Afro, ele garante um retorno com uma explosão de criatividade, nas fantasias que devem enaltecer a luta de um povo todo.

“Ainda que se propagou o carnaval para esse ano com a liberação, foram meses ainda, ao longo do ano passado, de tensão, da incerteza de se de fato ia acontecer, das possibilidades de ameaça, né? Da nova propagação de outros vírus e isso criou uma certa tensão. Mas nós somos isso, né? Nós trabalhamos com tensão o tempo todo: tensão em orçamento, tensão se a grana vai ser liberada em tempo hábil de fazer as coisas. A gente trabalha sempre muito no limite de tudo, né? Orçamento sempre muito curto, transformar aquilo em arte, em beleza. Mas eu acho que buscamos dos nossos ancestrais mesmo essa força, essa necessidade de de reinventar, né? E levar o que há de melhor na nossa natureza para brilhar na avenida”.

Fonte-Agência Brasil

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