Deputados e senadores afirmam que o governo federal dificulta o debate político e cria um embate com o Congresso Nacional por querer avançar com mudanças legislativas imediatas sem ter uma base consolidada.
Na avaliação dos parlamentares, servem de exemplo as tentativas de judicializar a privatização da Eletrobras, de promover mudanças no Marco do Saneamento por meio de decreto e de editar uma medida provisória para garantir o retorno do voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).
Não há, por parte do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), indicação de rever decisões recentes tomadas pela Casa para reafirmar o poder do Congresso no que diz respeito às questões legislativas. Lira já mostrou estar preocupado com a sinalização do governo em direção a uma revisão da privatização da Eletrobras e frisou que o assunto foi bem discutido pelos deputados e senadores.
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O governo questiona a lei que trata da desestatização da Eletrobras, operação concluída em junho de 2022. No sábado (6), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou: “Eu não entrei contra a privatização da Eletrobras, eu ainda pretendo entrar”.
A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou na sexta-feira (5) com pedido liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para que a União tenha poder de voto proporcional à participação acionária que tem na Eletrobras.
A União manteve cerca de 43% das ações ordinárias (considerando o controle direto e outras formas de participação). No entanto, pela regra imposta pela Lei de Desestatização, o poder de voto do governo foi reduzido a menos de 10% do capital votante.
Apenas a União tem limitação de participação em votações. Para a AGU, a regra limitadora deve ser aplicada apenas ao direito de voto referente a ações adquiridas após a privatização da empresa. Essas condições são “injustificáveis do ponto de vista jurídico-constitucional”, segundo os advogados da União, que tentam rever esse dispositivo da lei, alegando resguardo do interesse público.
Outros impasses
A aprovação na Câmara da proposta que derruba decretos de Lula que mudam a regulamentação do Marco Legal do Saneamento Básico mostrou ao governo que alterações de decisões recentes do Congresso precisam passar pelo crivo dos parlamentares.
As mudanças no marco eram avaliadas por Lula antes mesmo de assumir o mandato, e a lei foi aprovada após um intenso debate no Legislativo.
“Defendo a revisão do Marco Legal do Saneamento com o propósito de aperfeiçoar a legislação vigente. Porém, aviso que o Parlamento vai analisar criteriosamente as sugestões, mas não vai admitir retrocessos”, afirmou o presidente da Câmara, antes de incluir o projeto na pauta.
Com o aval de Lira e sob a condução do vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), os deputados aprovaram o regime de urgência para avaliar a matéria. A base do governo tentou adiar a decisão, mas o projeto passou por 295 votos favoráveis e 136 contra. “O governo erra ao trocar queda de braço com o Congresso”, avaliou Pereira.
O deputado Fernando Monteiro (PP-PE), um dos autores da proposta, disse ter tentado negociar com a Casa Civil antes da votação, mas que não houve manifestação. “O governo não queria acordo, não queria conversar, queria apenas ganhar tempo”, afirmou.
O superbloco de Lira, com 173 deputados, foi favorável ao projeto. Segundo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o resultado “mostra que temos que fazer um ‘freio de arrumação’ dentro do governo”, já que líderes que se posicionam como base caminharam contra o governo.
O Senado ainda precisa analisar a proposta. A decisão no colegiado de líderes foi levar a discussão para as comissões. “No Senado, temos um ambiente melhor do que o que tínhamos na Câmara. Os ministros virão para esclarecer o teor dos decretos. Temos mais espaço para debater, e o governo está à disposição para reorganizar e [para] eventuais mudanças”, afirmou o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Em meio ao cenário desfavorável — que engloba a derrota na votação do PL das Fake News, adiada por falta de consenso para garantir a aprovação —, o governo recuou na medida provisória para ter vantagem em questões tributárias com mudanças no Carf. Em acordo com Lira, a ideia é encaminhar um projeto de lei com urgência constitucional, que tranca a pauta de votação depois de 45 dias e começa a tramitar na Câmara.
Enquanto Lira faz demonstrações do poder na Câmara, Padilha tem recebido congressistas individualmente e em grupos na tentativa de criar núcleos de apoio sem a interferência direta dos presidentes das duas Casas. Já Lula vai conversar com líderes partidários ao longo da semana para tentar aprimorar a articulação política do governo com o Congresso Nacional.