Parlamentares da base do governo articulam unificar duas propostas de emenda à Constituição (PEC) que afetam os militares das Forças Armadas. A primeira trata da participação deles em cargos públicos, da regulamentação do artigo 142 da Constituição Federal e da redução das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A segunda é sobre a candidatura eleitoral de militares.
Os deputados federais Carlos Zarattini e Alencar Santana, ambos do PT de São Paulo, vão iniciar a busca por assinaturas para a primeira PEC na segunda-feira (10).
O artigo 142 da Constituição Federal afirma que as Forças Armadas estão “sob a
autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Os parlamentares argumentam que houve uma capitalização política do artigo por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), especificamente sobre a quem as Forças Armadas são subordinadas e quais funções têm. “A expressão ‘autoridade’ [suprema] pressupõe um caráter de autonomia, sequer subordinada à lei”, diz Zarattini na justificativa da proposta.
O texto determina que o militar da ativa que tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária e não eletiva será imediatamente transferido para a reserva. A regra valeria inclusive para cargo em comissão ou função de confiança de livre nomeação e exoneração, ainda que da administração indireta, assim considerado o cargo ou função que não seja privativo de militar.
Ainda segundo a PEC, as Forças Armadas são instituições a serviço do povo e do Estado, e seus membros devem exercer suas funções constitucionais sem filiação nem alinhamento ideológico ou partidário, sendo vedado o uso do cargo, função ou arma para qualquer forma de intervenção ou atuação política.
Os parlamentares dizem ainda que as operações de GLO vêm se multiplicando indevidamente. São situações em que “pretensamente” há o “esgotamento” das forças tradicionais de segurança pública. “Há nítida extrapolação, nessa situação, do que seria lícito e adequado prever como papel das Forças Armadas, como instrumentos da ordem democrática”, justifica Zarattini.
Por isso, eles acrescentaram na PEC um artigo que determina que o Exército, a Força Aérea e a Marinha poderão, designadas pelo presidente da República, nos termos da lei, colaborar em missões de defesa civil. A avaliação é de que o decreto 3.897/2002 fixa as diretrizes desse caso específico.
“Dessa forma, a PEC pretende superar problemas, dando ao caput [cabeça] do artigo 142 que reflita, com maior precisão e delimitação de seu alcance, o verdadeiro papel a ser esperado das Forças Armadas na ordem democrática, que é o de assegurar a independência e a soberania do país, a integridade do seu território, os poderes constitucionais e, por iniciativa expressa destes, nos casos estritos da lei, a ordem constitucional”, finaliza Zarattini.
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PEC da Defesa
Os parlamentares, que vão coletar assinaturas em apoio à PEC a partir da próxima semana, querem juntar o texto com a proposta do ministro da Defesa, José Múcio, que quer vedar a volta à ativa de militares que tiraram licença para disputar as eleições. A proibição também valeria para aqueles que exerçam cargo de ministro de Estado.
A proposta, que tem o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), está no gabinete do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais). Especialistas afirmam que o projeto pode garantir imparcialidade das Forças Armadas e evitar a politização no ambiente militar.
Para que a ideia do Executivo se concretize, será necessário o aval do Congresso Nacional. Parlamentares de oposição devem resistir à proposta. Mudanças na Constituição precisam ser aprovadas em dois turnos na Câmara e no Senado com pelo menos três quintos dos votos dos deputados (308) e dos senadores (49), cenário que exigirá esforço de articulação da base de Lula.
“Os militares devem ser neutros e imparciais em relação às questões políticas do país. No entanto, existe uma lacuna na Constituição Federal sobre a possibilidade de militares disputarem eleições e retornarem à ativa após o fim do mandato”, argumenta o professor de direito constitucional Fabio Tavares Sobreira.
“Os militares que optarem por seguir a carreira política poderão fazê-lo sem prejudicar a imagem das Forças Armadas nem gerar conflitos de interesse, até porque os pilares do militarismo são os princípios da hierarquia e da disciplina [caso novas regras sejam aprovadas]”, complementa.
Orientação a militares
Como mostrou o R7, as Forças Armadas emitiram recentemente um comunicado aos membros para que se desfiliem de partido político. A medida ocorre no contexto de articulação da PEC do ministro da Defesa, que já sinalizou a interlocutores ser contrário ao projeto dos deputados petistas.
O envio do comunicado foi confirmado pelo Exército. “Tal situação [de filiação partidária] contraria as normas vigentes e é passível de sanção disciplinar”, diz. A Marinha tomou a mesma medida, em 8 de março, por meio de Boletim de Ordens e Notícias (Bono) — documento restrito usado para orientar o público interno.
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A reportagem acionou individualmente as Forças Armadas para saber se há um levantamento que mostre a quantidade de militares filiados a partido, mas não obteve resposta. O Ministério da Defesa informou, via telefone, não ter tal levantamento, porém não respondeu à reportagem por escrito.
O impacto das medidas, portanto, ainda é incerto. O R7 apurou que ao menos 299 militares — da ativa e da reserva — concorreram às eleições de 2022. Entre os cargos disputados, estiveram os de governador, senador, deputado federal e deputado estadual.