Historicamente assolados pela criminalidade, os brasileiros começam a vislumbrar um futuro pacífico. Em 2021, o país registrou uma queda de 6,5% nas mortes violentas, incluindo homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Os dados constam no 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
No ano passado, 47,5 mil pessoas foram assassinadas no Brasil — quase 6 mil a menos do que o verificado em 2020. Trata-se do menor número desde 2011 (52,2 mil), quando o FBSP passou a monitorar anualmente os indicadores de segurança pública no país. Quais motivos explicam essa melhora?
Para Eduardo Matos de Alencar, doutor em sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e autor do livro De Quem é O Comando? O Desafio de Governar Uma Prisão no Brasil, diversos fatores explicam a diminuição de mortes violentas no país. “O fato é que, para além de variáveis demográficas, o que reduz o crime de maneira mais impactante é, prioritariamente, repressão qualificada”, afirmou. “Ou seja, prender mais gente, mais rápido e por mais tempo.” Ele destaca também os investimentos do governo federal nos Estados, que aumentaram a eficiência policial nos últimos anos. “As operações de apreensão de drogas seguem em escalada ascendente”, observou. “E há uma mudança real na forma como as lideranças de facções criminosas são tratadas. Isso também se reflete no nível estadual, com um foco maior na repressão qualificada. Provavelmente, são fatores que operaram de maneira consorciada, colaborando para essa redução.”
Em entrevista a Oeste, Matos de Alencar explicou as raízes da criminalidade no país, ressaltou a importância do armamento civil e sugeriu medidas para aumentar o índice de esclarecimento de homicídios no Brasil.
A seguir, os principais trechos da conversa.
— Quais fatores podem explicar a redução de mortes violentas no Brasil em 2021?
Não existe nenhuma resposta pronta sobre isso. Quem disser que existe, está mentindo. Nenhum grande estudo estatístico foi produzido ainda para o período. Em razão de termos um político conservador no poder, temos visto ditos especialistas em segurança pública ensaiando explicações absurdas, como a de que as facções criminosas teriam se profissionalizado mais nos últimos anos — o que teria reduzido o número de homicídios. O fato é que, para além de variáveis demográficas, que podem incidir em alguma medida, o que reduz o crime de maneira mais impactante é, prioritariamente, repressão qualificada.
— O que significa “repressão qualificada”?
Prender mais gente, mais rápido e por mais tempo. Então, é preciso entender que medidas têm sido implementadas nos níveis estadual e federal para mudar o cenário de impunidade dominante. Desde 2018, o governo federal vem fortalecendo os investimentos e o apoio para os Estados aumentarem a eficiência policial. As operações de apreensão de drogas seguem em escalada ascendente. E há uma mudança real na forma como as lideranças de facções criminosas são tratadas. Isso também se reflete no nível estadual, com um foco maior na repressão qualificada.
— O armamento civil contribui para a redução desses números?
Pode contribuir e pode não contribuir. Depende das circunstâncias e do tipo de crime. Quer dizer, civis armados são um excelente mecanismo de dissuasão para casos de roubo, latrocínio, invasão à residência etc. Mas a verdade é que a maioria das mortes violentas no país é composta de pessoas envolvidas com o crime organizado. Não creio que apenas o aumento no número de proprietários de armas de fogo possa ter impactado a redução de homicídios. O que conta mesmo é polícia, prisão, redução da impunidade, celeridade das investigações e policiamento ostensivo nas ruas, fazendo revista, apreendendo suspeitos para averiguação e realizando prisões em flagrante.
— Apesar da diminuição nos índices de homicídio, o Brasil concentra 20% das mortes violentas no mundo. Quais razões explicam esses números?
A violência é um fenômeno complexo e multicausal, com variáveis que vão se acumulando e retroalimentando com o tempo. A literatura especializada relaciona sua ocorrência com uma série de fatores, que incluem desestruturação familiar, ausência de supervisão sobre os mais jovens, baixos índices de autocontrole, desorganização urbana, baixos índices de confiança, enfraquecimento da eficácia coletiva, perda de legitimidade das instituições, funcionamento do mercado ilegal de drogas, dependência química, baixa impunidade e ineficácia do sistema de justiça criminal. Todos esses elementos estão presentes de maneira mais ou menos sobreposta no Brasil. É um processo que se inicia nos anos 1970, com a Lei do Divórcio, a migração do campo estimulada pela Lei de Terras do regime militar, o inchamento das favelas e periferias e a formação do Comando Vermelho na Ilha Grande. Na Nova República, esse processo só se agrava por reformas penais que implementaram um sistema de justiça extremamente leniente. Há também a chegada ao poder de uma elite de esquerda, que vê o crime como um problema de pobreza e desigualdade social.
— Segundo o Instituto Sou da Paz, menos de 40% dos homicídios no Brasil foram esclarecidos em 2020. O que poderia ser feito para melhorar esse porcentual?
Investimento nas polícias científicas e investigativas, implementação de mecanismos de monitoramento e metas estabelecidas para a atividade policial. Outra vertente importante é a utilização eficaz do policiamento ostensivo. Com bancos de dados qualificados e informação integrada, uma revista de averiguação com um suspeito na rua ou o indiciamento de um delinquente por um crime menor não raro leva a resoluções de casos mais graves em aberto. Em Nova Iorque, por exemplo, ações para apreender bicicletas ilegais levaram à prisão de homicidas e estupradores. A polícia usava um evento menor para fichar e retirar impressões digitais ou amostras de DNA de elementos que eram cotejadas com as informações disponíveis de crimes em aberto. Nas prisões, precisamos restabelecer o controle efetivo sobre a massa carcerária, com sistemas de inteligência eficazes e mecanismos de incentivo para a delação, capazes de levar à resolução de crimes. Do ponto de vista legal, precisamos de uma reforma contundente do Código Penal e do Código de Processo Penal. Acabar com o fim das saidinhas, tornar a progressão de pena mais difícil e encarcerar por muito mais tempo quem cometeu crimes graves.
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